terça-feira, 2 de junho de 2015

Haveria de ser?

Tudo quanto fazia era ilusão. O que imaginava era ilusão, o que desenhava era ilusão, aquilo que desdenhava era ilusão. Cada gesto, cada palavra implicava na sua realidade construída, irreal, ideal. Complicava. Não tinha cura su'alma. Costurada das mais diversas formas pela falta do que fazer. Fazia sentido? Fazia, mas não sentia. Seus gestou eram alinhados com a sua tendência à perfeição simétrica. Seus olhos, um brilho (in)comum de loucura e obsessão. As folhas que escrevia é que pareciam escrever. Não escrevia, biografava. Toda uma vida num pedaço de papel, mas esquecia de ser. Seus passos, desalinhados por conta de um semelhante desalinho das ideias, teciam um caminho no qual ninguém conseguia decifrar. Para chegar até ali, parecia ser preciso muita coisa, mas nem desconfiavam que não. Apesar da rudez, até assustadora, para uma expansão dos sentimentos, bastava um pouco de simpatia e confiança. Certa vez, lhe disse que pela falta do que fazer, acabaria rindo com a solidão. Não foi, porventura, isso mesmo que se sucedeu? Certamente! - Riu-se. Riu e não viu mais o tempo. O tempo perdido pela crença de estar só. Riu porque viu que estava melhor. E não poderia ser diferente! Já não via as antigas maneiras de caminhar; começava já a avistar - ainda que bem pouco - o verdadeiro curso do rio, que ia de encontro ao caminho que deveria seguir. Apesar de seus olhos mal saberem o que buscar, buscava e sentia; sentia o que sabia que agora haveria de ser. Uma leve intuição, como a pluma que via sendo levada pelo rio. Leve, sem destino; rumo ao horizonte - um traço branco de encontro ao crepúsculo alaranjado. Já não era mais miragem no deserto, mas sim, circunspectamente uma parte da própria realidade.

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