segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Sombras no azul

Teus olhos são como velas
Como veias no escuro
Como sombras no azul
Que aumentam a imensidão
Me dão a dimensão
De quem és, quem fostes, de quem serás
Serás tu alguém algum dia?
Ou tua voz apenas melodia?
Se um dia ainda te digo "eu te amo"
Eu nem sei
Só sei
Que teu olhar
É imensidão
E a tua voz loucura
Que eu nunca digo "não".

Para Vilas

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Lânguido

Quero uma canção e um pôr-do-sol, por favor. Apaga esse teu cigarro e senta aqui. Não vou te segurar por muito tempo, pois minhas mãos já estão cansadas de minhas próprias fadigas. Me beija com aquele beijo, aquele breve beijo, teu lânguido beijo, frio beijo, frio como a morte e vai embora junto com o Sol. Quero a brisa fria da praia à noite, rasgando as minhas faces com cada pequeno grão de areia. Quero que o tempo rasgue minhas carnes e carregue os pedaços para onde quiser levar. Quero ir pra longe, pra onde eu puder me levar.

domingo, 9 de agosto de 2015

Divino

Tinha algo de divino e imperfeito ao mesmo tempo
Era um estereótipo
Um tipo
Desconfigurado
Sem razão de ser
Cujos olhos viram apenas uma vez
Com aquele jeito meio bobo
Aquele riso meio torto
Aquela fala meio muda
Que nada dizia
E tudo ousava dizer
Mas desapareceu
Como nas letra das canções
Aquilo que se formou tão abertamente
Fugiu descaradamente
Para os seus compromissos
Outras prioridades
Sem nenhum aviso
E me deixou vazio
Na poça de mim mesmo
Como um peixe debatendo
Em mais uma daquelas armadilhas
Em que se sabe, mas se cai
Mas, e se cai?
Se caí
Eu levantei
Se cair
Eu te levantarei
Outra vez
Inda que o mundo seja vesgo
Eu vejo por um outro caminho:
o das Palavras,
Onde Nada
Pode te fazer chorar.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Cartas para mim: (A Câmara Secreta)

A música recomeçou. Estou a correr e a pia a inundar; as portas da câmara estão se abrindo e os demônios estão saindo. Basiliscos dementes, que plantam sementes. Nos seus olhos amarelos há algo como a morte. Ainda não estou forte o suficiente (ou será que, ao contrário, minhas energias estão sendo sugadas?). Numa hora estou num carro voador, noutra no armário embaixo da escada, noutra ainda, sou um lutador, um gato ou aranha feroz - talvez algum gigante pequeno elfo querendo machucar. Mas não. Isso não é mera fantasia. Isso é real. Eu sou real. Trate de avisar aos descendentes que eu estou voltando (se é que algum dia existi). Cheio de pesadelos, cheio de passados, mas carregado de presentes também. Se me vires no trem ou na floresta, pode não ser eu. Estou por aí, mas nem me sinto; petrifiquei. Por aí... mas não existo. Eu não sei. A fortaleza não foi o suficiente, pois o mal sempre vem.
E os teus medos ocultos?
Ah, eles se revelarão, se desvelarão -
    como a vela, queimarão.
Se ainda não viste os olhos, nem olhes: nem pela poça, nem pelo espelho, ou por qualquer meio. Não olhe. Apenas enfrente. - Em frente! Com garras e dentes! Não gemas. Não te escondas no banheiro, nem sejas o derradeiro e nem o Último, nem o fim. Sempre o primeiro de mim. Não desistas. Aponte para a ponte. Atravesse. Passe. Morra. Um fim pode ser apenas mais um começo se souberes abrir, se souberes atravessar. Romper com a alma é difícil, mas possível. Romper pra recuperar. Abrir as portas pra mim.
- Câmara secreta, câmara dos segredos, o que trazes pra mim? És como Aladim? Num passe de mágica? Voando num tapete? Ou sendo invisível ao mundo, sendo visível a poucos, (in)visível aos poucos...?
Ouça ou gritos no banheiro! Ou o choro da fênix... O céu nublado estando estrelado, a noite azul num corpo nu. Fede. A cadáver. Mede. Teu caráter. Usa a espada! e corta! e fere! e geme! e despedaça! e rompe! e mata. Salva teus amigos. Com um silvo. Rasga tua pele. - Como a memória, és grande escória! Vergonha pra humanidade. Como um Rumpelstiltskin. Vergonha alheia. Mas quem se importa? É sexta-feira! Dia de paixão, dia de ilusão, dia de diversão. Fala tua língua que ninguém entente. Pede favores que ninguém atende. Atiça. Atiça contra teus inimigos. Entra em acordo. Com suas cobras, com seus jogos, com suas mentiras... elas são apenas para ti mesmo, e para nada mais, e para ninguém mais...

Sobrando apenas a música do começo...
Que repete mil vezes pro teu tormento...
E, neste momento
se sonhas, não ganhas
se não vens, não tens
se recusas, perdes...
- Escutai!
"Pedi e dar-se-vos-á
Buscai e achareis
Batei e abri-se-vos-á"
Mas se usa vendas
Há quem te venda
E se prestas atenção e assistes
Lê e entenda.

terça-feira, 2 de junho de 2015

Haveria de ser?

Tudo quanto fazia era ilusão. O que imaginava era ilusão, o que desenhava era ilusão, aquilo que desdenhava era ilusão. Cada gesto, cada palavra implicava na sua realidade construída, irreal, ideal. Complicava. Não tinha cura su'alma. Costurada das mais diversas formas pela falta do que fazer. Fazia sentido? Fazia, mas não sentia. Seus gestou eram alinhados com a sua tendência à perfeição simétrica. Seus olhos, um brilho (in)comum de loucura e obsessão. As folhas que escrevia é que pareciam escrever. Não escrevia, biografava. Toda uma vida num pedaço de papel, mas esquecia de ser. Seus passos, desalinhados por conta de um semelhante desalinho das ideias, teciam um caminho no qual ninguém conseguia decifrar. Para chegar até ali, parecia ser preciso muita coisa, mas nem desconfiavam que não. Apesar da rudez, até assustadora, para uma expansão dos sentimentos, bastava um pouco de simpatia e confiança. Certa vez, lhe disse que pela falta do que fazer, acabaria rindo com a solidão. Não foi, porventura, isso mesmo que se sucedeu? Certamente! - Riu-se. Riu e não viu mais o tempo. O tempo perdido pela crença de estar só. Riu porque viu que estava melhor. E não poderia ser diferente! Já não via as antigas maneiras de caminhar; começava já a avistar - ainda que bem pouco - o verdadeiro curso do rio, que ia de encontro ao caminho que deveria seguir. Apesar de seus olhos mal saberem o que buscar, buscava e sentia; sentia o que sabia que agora haveria de ser. Uma leve intuição, como a pluma que via sendo levada pelo rio. Leve, sem destino; rumo ao horizonte - um traço branco de encontro ao crepúsculo alaranjado. Já não era mais miragem no deserto, mas sim, circunspectamente uma parte da própria realidade.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Espelhos

Vai chegando mais perto
Como um vulto atrás de mim

Visto pelo espelho
Visto do espelho
Soa tão familiar...

Ecoa no soalho

Escondido nas sandálias
Fluorescente como sardas
Com a mão na boca
Sempre expressando coisas
Que não dá

Em faces tão meigas de mim mesmo
Tão familiares
Escondido sob os pés de outras pessoas
Tendo os outros esquecido de si-mesmos
Mesmo após os exames

Ignorantes que somos
Seguimos em dúvidas
Sem sombra de nós
Nos mesmos tons vãos
Vão chegando mais perto

Naquela esquizofrenia cantada
Em um tom que desconheço
Finjo apenas entender
Aquela tua fixação por bocas -
Tão tortas
Vistas pelo espelho

São tortas de morango
Como cachos de uvas
Concatenados, mas sem nexo
Soando tão familiar
Como eu e teu sexo

Para M.H.